BENS NATURAIS

Araguaia: um patrimônio quase esquecido

Cerca de 40 municípios estão às margens do Araguaia, um dos maiores rios do Brasil.

16/03/2018 08h20 | Atualizada em 16/03/2018 08h29

Araguaia: um patrimônio quase esquecido

Reprodução

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Ano a ano, imagens de devastação do rio Araguaia vêm circulando pelos meios de comunicação e preocupando a população que vive às suas margens. As imensas dunas de área, que levantam do leito do rio consagraram nos principais jornais do pais e no imaginário popular a frase: “o rio está secando”.

O futuro desconhecido do rio Araguaia foi destaque da revista Gente Centro-Oeste, distribuída no mês de março. A edição 10 do veículo trouxe um dossiê sobre o manancial mais importante da região de Barra do Garças, que banha 40 municípios. A situação de esquecimento do rio já preocupa as autoridades e especialistas dos estados de Goiás e Mato Grosso, assim como os ribeirinhos, que assistem a sua degradação. São eles também que sentem diretamente o impacto das mudanças ambientais.

A incidência de chuvas entre dezembro ao início de maio é caracterizado nesta região como inverno amazônico o que divide o ano em duas estações pela proximidade da Amazônia à Linha do Equador. Logo, o cenário dos rios neste período difere da época de estiagem (de junho a novembro) que assola a bacia do Araguaia-Tocantins, época em que a reportagem percorreu uma vasta extenção para ver de perto os danos ambientais que resultam no assoreamento que ameaça os principais rios da região.

Entenda-se, portanto, por assoreamento, conforme o dicionário Michaelis, “o acúmulo de areia, terra, detritos, em consequência de enchentes, do mau uso do solo e da degradação do ambiente”. Se preferir, há outra significação para esse termo que ameaça a vida dos rios e de domínio público, o da sabedoria popular que diz que o rio vai aumentando as margens e perdendo sua profundidade.

Esta sentença calha à realidade do Araguaia que há muito mais de século vem sendo castigado pela a ação do homem que invariavelmente visa o lucro antes da preservação dos bens naturais. Enquanto isso, o governo faz vistas grossas ao desastre ambiental que caminha para seu fim inevitável, caso não tomem providências, mesmo que tardias.

Apenas para ilustrar, este grande rio que banha Goiás, Mato Grosso, Tocantins e Pará tem 2,6 mil km de extensão tornou-se com o passar das décadas de ocupação e desmatamento para a da consequente pastagem de gado, da agricultura escalonada, do agronegócio de que se gaba a economia do Centro-Oeste ao proscênio de um deserto que está por vir, assim que matarem sua diversidade.

Precede-se a isto o desapego do governo às causas ambientais, mesmo diante dos bancos de areia ao longo de seu curso e que no período de seca beira à raia da interceptação. A visão é desoladora. Uma pesquisa da Universidade Federal de Goiás (UFG), publicada em 2015, dá conta de que na região dos municípios goianos de Mineiros e Santa Rita do Araguaia, no alto curso do rio, prevalecem, na estiagem, os bancos de areia para fazer companhia às voçorocas, fenômeno de risco nestes últimos 40 anos.

O curso do Araguaia, na primeira quadra do século 20 serviu de caminho à ocupação do leste mato-grossense, ao sudoeste goiano. Antigos moradores de Barra do Garças, a exemplo de dona Alice Bilego (esposa do primeiro prefeito da cidade, Antônio Paulo da Costa Bilego, falecido em 1997), se lembram de barcaças como a Gazita, que fazia conexão em todos os meses do ano entre cidades do Pará a Baliza, em Goiás, que era por sua vez o centro para onde gravitavam aventureiros à cata de diamante que a voz corrente dizia brotar nas barrancas dos rios Araguaia e Garças.

Assim como as narrativas dos garimpos cessaram e hoje se resumem a fatos históricos, às vezes mal contados, o Araguaia corre risco de vida, caso o desenvolvimento insista interpor seu curso. Dizer que os governos conciliam o crescimento socioeconômico com preservação ambiental não é verdade, é falso. Enquanto isso não só o Araguaia, mas sua bacia de 358.125 km² agonizam no período da seca.

A indiferença praticada contra a bacia Araguaia-Tocantins é apenas uma ponta do iceberg do que está por vir, caso a devastação prossiga como nos dias atuais. A agência Nacional de Águas (ANA) diz que “em termos globais, o Brasil possui uma boa quantidade de água. Estima-se que o país possua cerca de 12% da disponibilidade de água doce do planeta. Mas a distribuição natural desse recurso não é equilibrada. A região Norte, por exemplo, concentra aproximadamente 80% da quantidade de água disponível, mas representa apenas 5% da população brasileira. Já as regiões próximas aos Oceano Atlântico possuem mais de 45% da população, porém, menos de 3% dos recursos hídricos do país”. A Região Hidrográfica Tocantins-Araguaia corresponde a 10,8% do território brasileiro, abrangendo seis estados: Goiás, Tocantins, Pará, Maranhão, Mato Grosso e Distrito Federal.

Dados que estudam parte do clima, a distribuição de chuvas em épocas e regiões, indicam que no início dos anos 1970, que coincidiu com a abertura da fronteira agrícola no Vale do Araguaia mato-grossense e goiano, as chuvas chegavam no início de setembro e as madrugadas eram frias conforme se lembram moradores de cidades do médio Araguaia. Ano passado, por exemplo, as chuvas chegaram no final de novembro e não precisa ser especialista para saber que a tendência será a prorrogação para dezembro e assim por diante.

Moradores de uma ou da outra margem do rio são os que mais sentem o impacto dessa mudança ambiental. Notícias pelos jornais, vídeos e redes sociais dão conta de que, em outubro do ano passado faltou peixe na Ilha do Bananal, exposta à sanha do desenvolvimento econômico a sua volta. Neste caso específico, está o agronegócio, esse conjunto de operações em cadeia que passa pela pecuária, agricultura e chega à comercialização não sem antes causar danos ao ambiente, como se fosse algo natural, mas não é.

Conforme noticiou o G1, “a seca na bacia do rio Araguaia tem causado grandes consequências na Ilha do Bananal” e mostrou em um vídeo, caminhonetes atravessando de uma margem a outra o Javaé, (o nome do braço direito do Araguaia, no Tocantins, e que forma a maior ilha fluvial do mundo).

A cerca de 500 km rio acima, em Barra do Garças, um repórter do portal Semana7 presenciou no início de outubro de 2017, do complexo turístico do Porto do Baé, o encalhe de uma pequena lancha onde antes corria o leito do Araguaia. O incidente não passou despercebido aos olhos de muitos naquele final e tarde e serviu de tema para acirrados debates sobre o ambiente.

No Bananal, no sudoeste do Tocantins, o líder de uma aldeia, Edmar Kuriawá Carajá disse à reportagem do portal G1 que sua gente passava necessidade pela falta de caça e pesca “porque não tem água. Não tem mais, e os peixes vão diminuindo”.

Goiano de nascimento, o Araguaia tem um curso de 2,6 mil até desaguar no rio Tocantins, na divisa com o Pará. Em alguns pontos, em períodos de estiagem como o do ano passado, sua profundidade chegou a 20 centímetros em Xambioá (TO). Em trechos assim o leito do rio é praticamente coberto por bancos de areia.

A engenheira ambiental ouvida pelo G1, Caroline Soares, disse que um dos motivos para a situação do Araguaia é o assoreamento causado pelo desmatamento das margens. “É justamente devido os processos erosivos, por não ter uma vegetação que sustente o solo quando a água passar, então eles são carreados para o meio do rio”.

FONTE: Revista Gente Centro-Oeste

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