EDUCAÇÃO

Depressão é responsável por 30% dos afastamentos na educação em Mato Grosso

Ao todo, 33,3% dos laudos apresentados foram pelo CID F, ou seja, mais de 600.

16/09/2019 10h51 | Atualizada em 16/09/2019 10h56

Depressão é responsável por 30% dos afastamentos na educação em Mato Grosso

Ilustrativo

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A cada 10 profissionais afastados dos serviços na educação estadual em Mato Grosso, 3 são por problemas psicológicos ou comportamentais. A Classificação Internacional de Doenças (CID), o CID F -transtornos mentais e comportamentais – é a maior causa de afastamento na rede estadual de ensino. Os dados são da Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag). Somente no ano passado, 2.022 professores afastaram por problemas de saúde. Ao todo, 33,3% dos laudos apresentados foram pelo CID F, ou seja, mais de 600.

Há quase duas décadas como professora, Ana Maria (nome fictício a pedido da entrevistada), “aposentou” a lousa e o livro, ferramentas das quais faz questão de ressaltar o orgulho. Não era ainda a hora, mas Ana teve que afastar da profissão que escolheu desde criança. Os sintomas da depressão acompanhavam há tempos, no entanto há dois anos decidiu cuidar de si. “A sala de aula que tanto amo não estava mais trazendo interesse. Estar naquele ambiente tornava-se apenas obrigação. Sentia uma tristeza imensa, uma angústia e já não mais conseguia dormir. Não entendia o motivo, mas continuava lá”, diz.

O estopim, segundo Ana, veio no relacionamento professor/aluno. A forma de lidar com os estudantes estava diferente e por vezes foi chamada a atenção dela por parte da coordenação. Ana percebeu que os problemas estavam na escola, em casa, com os amigos e em qualquer área da vida. “Vi que aquilo não estava certo, era hora de dar um basta. Nós estamos tão sobrecarregados pela falta de valorização. De lidar diretamente com os problemas dos alunos que expandem além do ensino e não há como filtrar. Tenho sim vontade de voltar à sala de aula, mas da mesma forma como iniciei, com amor pelo que faço”, afirma.

Representante do Sindicato dos Servidores do Ensino Público de Mato Grosso (Sintep), Henrique Lopes do Nascimento afirma que além dos problemas psicológicos, o índice de suicídio entre os profissionais da área tem crescido assustadoramente. Ele reforça que os casos, em grande parte, estão ligados a um histórico de depressão. “A ausência da devida valorização, condições de trabalho, estrutura, relações com estudantes, esses são alguns dos problemas vivenciados diariamente e que acabam desencadeando no quadro depressivo”, destaca.

O representante do Sintep enfatiza que a falta de acompanhamento por parte da Seduc é um dos fatores preponderantes para casos de afastamentos. “Há anos estamos reivindicando ações de saúde preventivas. Aqui não se trabalha a prevenção”. Outro fator preocupante, segundo Henrique, é que muitos profissionais continuam trabalhando mesmo doentes, seja pela não busca de ajuda ou até mesmo pela falta de ferramentas. O certo, conforme Lopes, é que esse profissional doente, em sala de aula, afeta o ensino.

O mesmo vale para alunos que também sofrem com problemas psicológicos e não há ações integradas de prevenção ao suicídio e tratamento à depressão. “O processo educacional envolve o emocional. Se tem profissional que não está bem, sem sombras de dúvidas compromete todo o processo”.

A psicóloga Leni Xavier afirma que a educação é uma área bem difícil pois abrange vários fatores que podem ocasionar o adoecimento. A psicóloga destaca que a começar pelas questões salariais e o não reconhecimento da categoria. “Temos também a relação aluno/professor, que está cada dia mais difícil. Além das relações interpessoais com os colegas de trabalho”. Leni frisa ainda que a educação é uma área onde o professor não “desliga” ao sair do trabalho. “Ao contrário, muitos acabam levando mais trabalho para casa. São correções de prova, planejamento de aulas e outros. Isso afeta muito”.

A psicóloga Rayssa Karla Dourado Porto salienta que professor é uma das profissões que podem ser acometidas pela Síndrome de Burnot, onde a causa principal é o excesso de trabalho. Ela aponta a extrema desvalorização salarial como propulsor desta realidade. “Mesmo tendo esclarecimentos sobre a importância de cuidar da saúde, ainda há muita resistência em admitir que precisa de ajuda”.

A psicóloga salienta que falta suporte, não apenas na educação, mas sobretudo na saúde. Ela destaca que a realidade é que para ser atendido hoje por um psicólogo, se não for caso de um surto, consegue apenas pela rede particular, mas nem por planos de saúde é rápido e fácil. “A educação precisa sim rever sua estrutura diante de tantos casos de adoecimento. O volume de trabalho, as condições precárias da estrutura, sobretudo a violência intra e extraescolar são fatores que trazem o esgotamento físico e emocional”, diz.

Rayssa alerta que o maior risco diante de uma situação de esgotamento emocional é o suicídio, sendo o extremo de crises de ansiedade e depressivas. Para ela, o maior desafio é os professores perceberem que o adoecimento é causado por um sistema educacional que precisa de investimentos. Por isso, segundo Rayssa, é importante a psicoterapia para que reflitam que não podem resolver todos os problemas daquele contexto escolar.

A psicóloga reforça que o primeiro passo é admitir que é imprescindível procurar ajuda profissional. “Como outras profissões, é necessário aprender a lidar com os fatores estressores, a depressão, a ansiedade, e os problemas de sono, sintomas que surgem quando o corpo tem estafa e precisa de uma pausa”.

O balanço da Seplag destaca que dos professores da educação básica da Seduc, cerca de 21% se afastou por motivo de tratamento de saúde nos anos de 2015 a 2017. Destes, 29,8% dos laudos emitidos eram pelo CID F. Já em relação aos professores de ensino superior da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), a proporção de licenciados para tratamento de saúde passou de 10,3% em 2015 para 7,9% em 2018. No ensino superior os laudos de CID F saltaram de 30,8% dos casos em 2015 para 35,2% em 2018.

A Secretaria Estadual de Educação, por meio de nota, informou que o Núcleo de Saúde e Segurança promove política de saúde e segurança para os profissionais da educação. Para isso dispõe de uma equipe composta por assistentes sociais e psicóloga que realizam atendimento e acompanhamento do servidor mediante solicitação. “Dessa forma, são realizadas as devidas orientações e encaminhamentos necessários com referência do servidor à rede de atendimento de saúde”, afirma.

A Secretaria enfatiza que o Núcleo ainda dispõe de uma equipe multiprofissional que realiza ações nas unidades escolares, visando prevenir e reduzir ocorrência de absenteísmo decorrentes de problemas de saúde dos servidores da rede estadual.

FONTE: A Gazeta

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