PLANO DE NEGÓCIOS

Deltan usou fama da Lava Jato para lucrar com palestras e livros

As conversas mostram ainda que o procurador incentivava outras autoridades ligadas ao caso a realizar palestras remuneradas.

15/07/2019 11h05 | Atualizada em 30/11/-0001 00h00

Deltan usou fama da Lava Jato para lucrar com palestras e livros

Reprodução

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O procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato, montou um plano de negócios para lucrar com eventos e palestras na esteira da fama e dos contatos conseguidos durante a operação, mostram mensagens obtidas pelo Intercept e analisadas em conjunto com a equipe da Folha de S.Paulo.

Em um chat sobre o tema criado no fim de 2018, Dallagnol e um colega da Lava Jato discutiram a constituição de uma empresa na qual eles não apareceriam formalmente como sócios, para evitar questionamentos legais e críticas. A ideia era usar familiares.

Os procuradores também cogitaram a criação de um instituto sem fins lucrativos para pagar altos cachês a eles mesmos, além de uma parceria com uma firma organizadora de formaturas para alavancar os ganhos do projeto.

A lei não proíbe que procuradores sejam sócios, investidores ou acionistas, desde que não tenham poderes de administração ou gestão da empresa. Os chats examinados pela Folha e pelo Intercept indicam que Dallagnol ocupou os serviços de duas funcionárias da Procuradoria em Curitiba para organizar sua atividade pessoal de palestrante no decorrer da Lava Jato.

As conversas mostram ainda que o procurador incentivava outras autoridades ligadas ao caso a realizar palestras remuneradas, entre eles o ex-juiz e atual ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e outros procuradores que atuaram no escândalo de corrupção.

Pouco antes do primeiro aniversário da Lava Jato, em fevereiro de 2015, a dedicação de Dallagnol ao trabalho de palestrante já gerava descontentamento entre os colegas da Procuradoria em Curitiba. Em um chat com o procurador Carlos Fernando Santos Lima, no aplicativo Telegram, Dallagnol buscou justificar sua atividade, dizendo que ela compensava um prejuízo financeiro decorrente da Lava Jato.

“Estou a favor de maior autonomia, mas não me encham o saco, pra usar sua expressão, a respeito de como uso meu tempo. To me ferrando de trabalhar e ta parecendo a fábula do velho, do menino e do burro. Uns acham que devo atender menos a SECOM, outros que é importante. Uns acham que devo acompanhar cada um, outros acham que os grupos devem ter mais liberdade. E chega de reclamar dos meus cursos ou viagens. Evito dormir nos voos pra render. To até agora resolvendo e-mails etc”, desabafou Dallagnol.

“Essas viagens são o que compensa a perda financeira do caso, pq fora eu fazia itinerancias e agora faria substituições. Enfim, acho bem justo e se reclamar quero discutir isso porque acho errado reclamar disso”, continuou Dallagnol no mesmo chat.

Dallagnol se refere a dois tipos de trabalho no Ministério Público que podem engordar o contracheque. A itinerância é quando um procurador substitui as funções de outro, geralmente em outras cidades, com recebimento de diárias.

Como integrante de uma força-tarefa que exige dedicação exclusiva, ele foi impedido de ocupar posições fora de Curitiba. Já no caso das substituições, o membro do MP assume o cargo de outro – como alguma função de chefia –, mas de forma mais modesta.

“Acho que o crescimento é via de mão dupla. Não estamos em 100 metros livres. Esse caso já virou maratona. Devemos ter bom senso e respeitar o bom senso alheio”, completou o procurador.

‘VAMOS ORGANIZAR CONGRESSOS E EVENTOS E LUCRAR, OK?’

A ideia de criar uma empresa de eventos para aproveitar a repercussão da Lava Jato foi manifestada por Dallagnol nos chats em dezembro passado.

“Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade”, afirmou em conversa com a esposa.

No mesmo mês, o procurador e seu colega na força-tarefa da Lava Jato Roberson Pozzobon criaram um chat específico para discutir o tema, com a participação das mulheres de ambos.

“Antes de darmos passos para abrir empresa, teríamos que ter um plano de negócios e ter claras as expectativas em relação a cada um. Para ter plano de negócios, seria bom ver os últimos eventos e preço”, afirmou Dallagnol no chat.

Pozzobon respondeu: “Temos que ver se o evento que vale mais a pena é: i) Mais gente, mais barato ii) Menos gente, mais caro. E um formato não exclui o outro”.

Após a troca de várias mensagens sobre formatos do negócio, em 14 de fevereiro deste ano Dallagnol propôs que a empresa fosse aberta em nome das esposas, e que a organização dos eventos ficasse a cargo da firma Star Palestras e Eventos.

Dallagnol detalhou então como seria a organização formal da empresa. “Só vamos ter que separar as tratativas de coordenação pedagógica do curso que podem ser minhas e do Robito e as tratativas gerenciais que precisam ser de Vcs duas, por questão legal”.

Em seguida, o procurador alertou para a possibilidade de a estratégia levantar suspeitas. “É bem possível que um dia ela seja ouvida sobre isso pra nos pegarem por gerenciarmos empresa”.

Roberson então comentou, em tom jocoso: “Se chegarem nesse grau de verificação é pq o negócio ficou lucrativo mesmo rsrsrs. Que veeeenham”.

No dia seguinte, Dallagnol levou para o grupo a sugestão de também estabelecer uma parceria com uma empresa de eventos e formaturas de um tio dele.

“Eles podem oferecer comissão pra aluno da comissão de formatura pelo número de vendas de ingressos que ele fizer. Isso alavancaria total o negócio. E nós faríamos contatos com os palestrantes pra convidar. Eles cuidariam de preparação e promoção, nós do conteúdo pedagógico e dividiríamos os lucros”, afirmou Dallagnol.

No último dia 3 de março, Dallagnol postou no chat detalhes sobre um evento organizado por uma entidade que se apresentava como um instituto. Ele comentou que esse formato jurídico também poderia servir para evitar questionamentos jurídicos e a repercussão negativa quanto à atividade deles.

“Deu o nome de instituto, que dá uma ideia de conhecimento… não me surpreenderia se não tiver fins lucrativos e pagar seu administrador via valor da palestra. Se fizéssemos algo sem fins lucrativos e pagássemos valores altos de palestras pra nós, escaparíamos das críticas, mas teria que ver o quanto perderíamos em termos monetários”.

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FONTE: DO INTERCEPT E FOLHA DE SÃO PAULO

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