MARÃIWATSÉDÉ

MPF aciona governo por danos causados a indígenas durante a ditadura

Ação requer pagamento de indenização e pedido público de desculpas à comunidade Xavante da TI Marãiwatsédé. Segundo o MP, 85 indígenas morreram após remoção da terra em 1966.

28/04/2017 07h46 | Atualizada em 28/04/2017 08h07

MPF aciona governo por danos causados a indígenas durante a ditadura

Mapa/Wanderlei Dias Guerra

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O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma ação na Justiça Federal contra a União, o governo do estado, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e 13 herdeiros das terras da fazenda Suiá-Missu por danos materiais e morais sofridos pela comunidade indígena Xavante da Terra Indígena Marãiwatsédé, na região Nordeste de Mato Grosso, durante a ditadura militar. O G1 não conseguiu contato com as partes requeridas na ação.

A área Xavante tem 165 mil hectares e fica entre as cidades de Alto Boa Vista, São Félix do Araguaia e Bom Jesus do Araguaia. A ação movida pelo MPF junto à Justiça Federal de Barra do Garças, a 516 km de Cuiabá, pontua os danos causados aos indígenas devido a sua remoção forçada do território tradicional deles em meados de 1966.

Conforme o MPF, um levantamento feito recentemente pela Comissão Nacional da Verdade aponta que 85 dos 8.350 indígenas mortos em decorrência da ação direta do governo ou de sua omissão durante a ditadura militar eram xavantes da TI Marãiwatsédé.

Na ação, o órgão faz uma contextualização histórica de como se deu a remoção da comunidade indígena da TI Marãiwatsédé, relatando como o povo indígena foi submetido a regime de trabalho análogo à escravidão ao ser utilizado como mão-de-obra quando da instalação da Fazenda Suiá-Missu, que naquela época seria financiada por incentivos fiscais e creditícios do governo federal.

De acordo com o MPF, apesar de ter cedido as terras para a União, em março de 1950, a fim de que fosse feita a demarcação do território Xavante dentro de um período de dois anos, o governo do estado alienou a área, em seguida, para terceiros, que vieram a instalar a Agropecuária Suiá-Missu. Consta na ação que os indígenas tentaram resistir à invasão, mas muitos morreram diante do uso de armas de fogo por parte daqueles que faziam a demarcação da fazenda.

Os proprietários da fazenda, então, propuseram aos indígenas que fundassem uma nova aldeia perto da sede da fazenda, onde eles trabalharam na derrubada da vegetação nativa para formação de pistas de pouso de avião, de roças e de pastos para a criação de gado. Segundo o MPF, os indígenas recebiam apenas comida pelo serviço, “o que pode ser caracterizado como um regime de trabalho análogo à escravidão”.

Remoção

Consta na ação que, cerca de dois anos depois, quando a presença dos Xavantes na terra começou a gerar atritos entre os empregados da fazenda e os indígenas, os proprietários de Suiá-Missu decidiram por uma primeira tentativa de remoção daquele povo para fora dos limites da propriedade, onde permaneceram por três anos, em condições que causaram o adoecimento e falecimento de alguns de seus membros.

Segundo o MPF, para forçar os indígenas a aceitarem a transferência, as crianças da aldeia foram levadas antes de seus pais, conduta que o órgão aponta como crime de genocídio.

De acordo com o MPF, ao todo, foram removidos para a Aldeia São Marcos 263 xavantes, sendo que um terço do grupo foi dizimado nas primeiras semanas após o ato, devido a uma epidemia de sarampo na região. Segundo os indígenas sobreviventes, foram criadas covas coletivas para o sepultamento dos corpos, sem respeito às crenças, ritos e tradições da comunidade.

A ação ressalta que uma parte pequena da comunidade indígena permaneceu na TI Marãiwatsédé, enquanto o grupo removido tentava retornar à área. A dispersão da comunidade tornou seus membros vulneráveis e tornou o grupo alvo de hostilidade por parte dos outros grupos xavantes, conforme o MPF. Além disso, durante todo esse período, o órgão alega que a Funai tentava “apagar' a presença indígena da área, por meio da emissão de certidões atestando a inexistência de comunidades indígenas na área onde foi instalada a fazenda Suiá-Missu.

Por conta de desentendimentos ocorridos na Aldeia São Marcos, parte dos xavantes foi novamente transferida para Couto Magalhães e, em seguida, para o território de Areões, seguindo, por fim, para Pimentel Barbosa, onde ficou até retomar a posse de Marãiwatséde, segundo a ação.

Desculpas públicas e indenização

No mérito da ação, o MPF solicita a realização de uma cerimônia na TI Marãiwatséde, com a presença das autoridades do governo federal e estadual, para que seja feito um pedido público de desculpas pelos danos morais coletivos causados àquele povo – inclusive com transmissão ao vivo e cobertura nacional –, dentro dos moldes da cultura Xavante.

O MPF também requer que as entidades declarem formalmente a existência dos atos ilícitos cometidos contra os indígenas – a remoção forçada da terra indígena seguida da morte de mais de 80 pessoas do grupo – com declaração expressa sobre a caracterização de tais atos como crime de genocídio.

Consta na ação, ainda, o pedido de pagamento de indenização no valor de R$ 129,8 milhões a ser depositado em conta judicial e liberado segundo a apresentação de projetos tendentes ao benefício da comunidade afetada, independentemente da residência atual na Terra Indígena Marãiwatséde.

“Considerando que cada membro deslocado tinha potencial de constituir uma unidade familiar, propõe-se que o valor do salario mínimo (R$ 880,00, na data da propositura desta ação), seja multiplicado pelo numero de pessoas removidas nos aviões da Forca Aérea Brasileira (263 pessoas); multiplicando-se este resultado, por sua vez, pelo numero de meses nos quais a comunidade esteve privada de seu território, fonte primordial de sua sobrevivência física (de agosto/1966 a abril/2014, ou seja, 561 meses).

FONTE: G1 MT/Lislaine dos Anjos

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